Desde pequena que oiço “para o fim do
mundo tudo se há-de ver”. Desde essa altura que não queria pensar no que
significava a frase, porque, no fundo, isso assustava-me. Pensar que iria haver
fim do mundo, que o lugar onde vivia, com as pessoas que amava iria acabar,
assim do nada, sem se saber ainda de que forma.
Ouvia também “enquanto nascerem crianças, o
mundo não acaba”. Isto, de certa forma, tranquilizava-me, porque via nascerem
crianças todos os dias, grávidas nas ruas, portanto ainda estava longe esse “fim
do mundo”.
Ouvia também “o fim do mundo, desta vez,
vai ser de fogo”. Punha-me a pensar “desta vez? Mas quando é que foi a outra? Ah aquela que vem na bíblia da Arca de Noé”. “Fogo?” – ficava novamente assustada,
só de pensar que arderíamos todos, arrepiava-me.
Pois bem, agora, as crianças continuam a
nascer, e continuam a ver-se coisas que realmente são do outro mundo.
Basta ligar a televisão ou o rádio e
ouvir as notícias. São maridos que matam as mulheres, são pais que batem nos
filhos e vice-versa, são famosos que se batem em diferentes frentes,
acusando-se uns aos outros, descredibilizando-se a si próprios e às suas profissões.
São os governantes a enganar o Zé Povinho, são as pessoas cada vez mais pobres,
com as vidas completamente destruídas por uma sociedade que deu tudo de uma só
vez e que agora retira da mesma forma brusca e rápida. Mas que mundo é este?
Mas, nestas ultimas semanas, mais
chocante, pelo menos para mim, foi ver uma mãe que escondia a filha dentro da
mala do carro. “Como? Esconder uma criança dentro da mala de um carro?”.- pensava eu com os meus botões, imaginando todo o cenário dantesco, encontrado
pelo mecânico quando fez a descoberta e que fez questão de relatar. Hoje, vejo
uma entrevista dessa dita mulher (que não sei se lhe posso chamar sequer
mulher, porque tomou uma atitude desumana), a dizer que quando deu à luz a
criança, deixou todos (marido e três filhos - se a memória não me atraiçoa) irem dormir e depois fez o parto a si própria,
cortando o cordão umbilical, escondendo a menina, à qual deu o nome de Serena
(pudera não chorava), deitando-se de seguida. No dia seguinte, continuou a explicar, levantou-se, preparou o pequeno almoço para a família (não para a Serena que não fazia parte – digo eu)
e levou os pequenos à escola. Disse ainda, com olhar embriagado de lágrimas (de
crocodilo – digo eu, mais uma vez), que não escondeu sempre a menina na
bagageira do carro, que a tinha muitas vezes numa divisão da casa onde nunca ninguém
entrava. Então, vangloriando-se, explicou que todos os dias se levantava
primeiro que toda a restante família e preparava o biberão para dar à pequena
que estava lá naquele quarto escondido, sem saber porquê, nem por que razão tinha
vindo ao mundo. A mãe (que não o era – digo eu) disse também que o objetivo era
mantê-la viva. “Como?”, pensei eu mais uma vez. Estava a falar da sua filha, um
pequeno ser que não pediu para vir ao mundo e que não merecia ser tratada como
se fosse uma coisa. Mas foi tratada como tal, como um objeto sem significado. Dou
comigo novamente a pensar, depois de ouvir a bizarra mulher, “o que levará uma
pessoa a fazer uma coisa destas?”. Não consegui arranjar qualquer justificação,
o que me veio à cabeça foi aquilo que ouvi desde pequena que “Para o fim do
mundo tudo se havia de ver”. Ainda bem que esta menina, dois anos depois de
viver no fim do mundo, encontra agora o mundo, o início do mundo – um mundo que
espero lhe traga muitas alegrias porque a Serena já sofreu coisa que chegasse e
nas mãos daquela que, à partida, lhe deveria dar todo o carinho, todo o amor
que qualquer mãe (que o seja de verdade) daria.
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