Cap II
O
inverno está a terminar e Camila já sente o aquecer do sol no seu coração. O
dia a dia é cada vez mais uma azafama, o trabalho de professora de História
absorve-a de tal forma que já só se lembra de António, muito de quando em vez.
A
campainha toca! São 8H30, mas Camila, como é costume, já está dentro da sala, à
espera dos alunos para mais uma aula sobre II Guerra Mundial. Os alunos entram,
sentam-se nos lugares de sempre, dão os bons dias, falam entre si, enquanto
Camila, abstraída, lá vai preparando a sala de aula.
Camila
começa a falar sobre um dos períodos mais importantes da história,
empolgando-se cada vez mais, percorrendo os corredores entre as carteiras,
interrompendo o raciocínio, cada vez que um dos seus atentos alunos faz uma intervenção.
A
aula é de 90 minutos, mas alunos e professora sentem-se tão envolvidos que, sem
darem conta do tempo, rapidamente soa a campainha e… amanhã há mais.
Camila
continua sentada em cima da secretária, a observar atentamente os alunos que arrumam
os cadernos e os livros e começam a sair lentamente e a comentar aquilo que
ouviram. A professora sente-se feliz, porque percebe que eles gostaram da aula.
Estamos a meio da manhã, hora do lanche. Na escola havia um pequeno snack bar exclusivo para os
professores, mas ela gostava mais de se juntar aos alunos e conviver com eles.
Era nesse intervalo que aproveitava para conversar e saber das preocupações e
gostos dos mais novos. Mas nesse dia foi diferente, Camila chegou ao bar e os
alunos lá estavam a rir e a conversar, como sempre, mas, ao contrário do que era
costume, Camila sentiu um vazio. De repente, a sombra do António pairou sobre
ela do nada, como que dando um soco no seu coração e um misto de saudades e
desprezo invadiu-a. Naquele momento, ela não entendeu o que aconteceu e
esqueceu esses pensamentos (pelo menos tentou), tendo entrado na conversa dos
seus alunos com quem já estava habituada a falar a essa hora. Lá lhe foram
contando, o que fizeram no fim de semana, as noites que passaram e o quanto se
divertiram. Camila também falou do seu, que não foi muito diferente, já que
gostava muito de sair e divertir-se.
De
repente, olha para o relógio e já estava na hora de mais uma aula, agora com
outros alunos, mas com o mesmo entusiasmo e vontade.
Terminou
mais um dia de trabalho, igual a tantos outros, mas com um sabor sempre
especial, porque Camila gostava do que fazia.
Depois
daquele sobressalto, no seu coração de manhã, a professora não mais se tinha
lembrado daquele homem/menino que a abandonou e fez sofrer, mas agora que o dia
terminou, que chegou a casa e se sentou confortavelmente no sofá, Camila pensou
no que acontecera de manhã e tentou perceber o porquê, se aquela pessoa já
pouco pairava no seu pensamento, já pouco mexia com o seu coração (pelo menos
pensava isso).
Por
uns instantes, a imagem de António tomou conta do seu pensamento e ela, que, no
fundo, ainda queria saber dele, lá começou a reviver tudo aquilo que tinham
vivido, todas as histórias que tinham partilhado e o quão frágil ele era. Sem
que desse conta, mais de uma hora passou, ali num recordar de tudo o que tinham
vivido, de tudo o que tinham feito. Ela sorria, chorava, sem se dar conta, mas
estava feliz, porque o recordava com carinho, embora ele, se calhar, não merecesse.
Envolvida
nos pensamentos que a levaram meses atrás, estremeceu com o toque do telemóvel.
Do outro lado, uma voz meiga e terna, pergunta como está e se quer tomar um
café. Ela fica atordoada, era um amigo que não via há algum tempo, mas por quem
sempre nutriu empatia e, diga-se, alguém bem-apessoado. Ela ainda atónita, pelo
pensamento no António e pelo convite de alguém que já não via há muito, lá
disse que sim, tendo marcado para o fim de semana seguinte.
A
semana decorreu normalmente, sem grandes novidades, mas Camila lá ia pensando
naquele convite estranho, mas ao mesmo tempo tentador, já que ele não era de se
deitar fora. A semana de Camila, dividida entre a casa e a escola, com uns
cafés e uns lanches com os amigos lá pelo meio, terminou, até que o sábado
chegou e tinha o seu café com o amigo José.
O
despertador tocou como habitualmente às sete, mas Camila desligou porque era sábado
e muito cedo para se levantar. Durante mais de meia hora ficou ali deitada a
pensar no que poderia acontecer mais logo no cafezinho e os pensamentos levaram-na a adormecer e acordar ao meio dia. Num ápice levantou-se, tomou um
banho e foi tratar do cabelo, não podia falhar logo.
O
dia decorreu normalmente, Camila só pensava em como iria ser. Chegou a hora de
se vestir. Abriu as portas do guarda-fatos e começou a dificuldade de escolher
a roupa. “Um vestido preto, fica sempre bem”, pensou, “mas podia também
escolher uma cor mais apelativa”. Estava indecisa, mas lá optou pelo preto,
porque era a cor com que se sentia mais confortável.
Bem
estava quase na hora, já estava pronta, faltava apenas o perfume. Depois,
agarrou rapidamente a chave do carro, que estava em cima do bengaleiro, fechou
a porta de casa e lá foi em direção ao encontro. À chegada, o coração começou a
bater e ela começou a pensar, no que iria conversar. Mas, agora já não havia
tempo para pensar, nem para desmarcar.
Nove
da noite, hora marcada, ela entra pelo salão de chá, em plena baixa da cidade,
e ele lá está com olhar misterioso e sorriso maroto nos lábios. Ela, nervosa,
tremia por todos os lados, mas não demonstrava nem um bocadinho. Lá se
aproximou, cumprimentou-o com dois beijos que pareciam intermináveis e
sentou-se.
-
Que tomas? – disse ele.
-
Um café. Não foi para um café que me convidaste?! – disse ela, num tom irónico,
com voz rouca e insinuante.
Ele
disfarçou e lá pediu o café. Ambos ficaram ali a conversar sobre as vidas de
cada um, sobre o seu trabalho e sobre os seus projetos.
Depois
do café e de mais de duas horas de uma agradável conversa, o que fazer? Ficaram
os dois a discutir e decidiram-se por beber um copo, num qualquer bar da cidade
e lá foram. Cá fora, embora o inverno tivesse a chegar ao fim, as noites ainda
eram frias e ele, apercebendo-se que ela estava com frio, passou-lhe a mão por
cima do ombro e seguiram a pé, como se de um casal de namorados se tratasse.
Seguiram ambos calados, e ela começou a imaginar o que poderia ser daí para a
frente. Ele era interessante, giro e muito carinhoso. De repente, já estava
longe, muito longe, sendo trazida de volta à terra pela voz rouca de José que
avisou que estavam a chegar. Ao entrar, ouvia-se bem alto Wake me Up, de
Avicii, uma das musicas do momento que ela gostava particularmente e que
percebeu que ele também era fã. Depois, foi pedir a bebida e ficarem ali a dançar, com uns toques inocentes, mas denunciadores de que a noite ainda
agora começara.
Saíram
do bar, o dia já queria clarear e lá foram abraçados até ao carro dela. Agora
era a hora da despedida, o coração começou a palpitar e ela a pensar o que se
iria passar? Pois, foi o que pensou, ele agarrou-a pelo pescoço e deu-lhe um beijo
intenso, cheio de significado. Ambos ficaram ali a apreciar o momento.
-
Foi uma noite muito agradável. Espero que tenha sido a primeira de muitas –
disse ele.
Ela
olhou-o a medo e acenou com a cabeça, concordando com o que acabara de ser
dito.
Entrou
no carro ainda atónita e o caminho até casa foi dominado por pensamentos. Ora o
José, ora o António. “Outra vez o António? Mas que raio, ele já era”, pensava
ela irritada, mas o que é certo é que não consiga deixar de pensar nele também.
Deitou-se
a pensar na dualidade do seu coração e ficou à espera que ele decidisse…