Cap.VII
“Senhores
passageiros apertem os cintos que estamos a minutos de aterrar. O tempo está de
chuva e ventoso, sendo provável alguma turbulência na aterragem”.
A voz da hospedeira acordou Camila e José que
dormiram grande parte da viagem.
- De volta à realidade – disse Camila, ainda na
manga de saída, com olhar fastioso.
- Pois… Depois do sol, este tempo chuvoso e frio…
José sabia bem que não era ao tempo que Camila se
referia, mas não quis alimentar a conversa que era necessária, mas que não
achava ser o momento.
Já com as malas na mão, os dois dirigiram-se ao
parque de estacionamento, onde o carro estava parado há 15 dias e seguiram
viagem até casa dela.
As palavras entre os dois eram quase que arrancadas
a ferros e Camila só pensava em como era possível depois de duas semanas
fantásticas, agora estarem a agir como dois estranhos.
“Está na hora de
conversarmos. Vai ser hoje” – pensava ela.
José para o carro, em frente a casa de Camila. Sai,
sem lhe dar tempo de falar, e dirige-se à mala.
- Posso levar-te a mala para dentro?
- Claro, a minha casa está sempre aberta, para ti.
Ele olhou-a de soslaio e sorriu. Ela corou, pensando
que, mais uma vez, calada dizia tudo.
Entraram, colocaram a mala encostada a um canto e….
“e agora o que fazer”, pensaram os dois.
Ela que, apesar de tudo, era mais desenrascada
disse:
- Bem, vamos fazer alguma coisa para comer? Depois
de tantas horas, acho que merecemos.
- Estava a ver que não – disse José, piscando o
olho.
Dirigiram-se para a cozinha. Não havia muita coisa
por onde escolher já que tinham estado algum tempo fora, mas ingredientes para
uma massa com atum, ainda havia. Pareciam dois adolescentes, num parque de
campismo.
Enquanto ela preparava o jantar, ele foi logo
preparar a mesa.
- O que bebemos? – perguntou José, enquanto retirava
os copos do armário da sala.
- O que queres beber? – disse ela.
- Bem, com esse manjar que estamos a preparar….se
calhar…. Uma cerveja, não?
- Parece-me bem – disse Camila, com voz sorridente.
Depois de tudo pronto, sentaram-se ambos à mesa e os
pensamentos voltaram a assolar Camila. Pensava que era o momento de falarem,
mas todas as vezes que tentava começar, era interrompida, por um “mais cerveja”
ou “mais massa”. Estava cada vez mais desconfortável, “mas de hoje não podia passar”, pensava ela.
O jantar decorreu normalmente, pelo menos para ele
que recordava cada momento da viagem, cada paisagem, cada lugar, sem nunca se
referir aos dois, à relação que o era, mas que ambos sempre ignoraram.
- Chove imenso lá fora. Depois de 15 dias de calor
intenso, temos de ter cuidado, se não ficamos doentes – disse Camila,
inocentemente, mas logo percebendo que iria ser mal interpretada.
- Hummmm. Também acho… Se calhar, com esta chuva e
este frio, é melhor ficar cá esta noite, para não constipares.
Camila não controlou um sorriso e abanou a cabeça
com desdém.
- Vamos arrumar a cozinha para descansarmos, que já
se faz tarde.
- Vamos lá que a noite está fria e não podemos ficar
doentes – continuava ele a provocar, mas ela fez de conta.
Dirigiram-se com os pratos para a cozinha, e
enquanto ela colocava a loiça na máquina, ele arrumava a bancada por cima da
máquina e fazia-a uns carinhos no cabelo sedoso e liso da sua amada.
- Ufa. Deu trabalho este manjar, mas já está tudo
direitinho. Acho que está na hora de…. – não terminou a frase porque olhou para
o canto da sala e viu a mala que tinha de ser desfeita.
- Nem penses. Não vais agora desfazer a mala. Agora
vais descansar.
- Já mandas? – disse ela com ar irónico.
- Nem sabes quanto – disse ele com voz rouca e olhar
sorrateiro.
- Está bem…. Vamos ver televisão.
Sentados no sofá, os dois respiraram fundo e
começaram a fazer zapping a ver se encontravam algo que os fizesse parar, mas
nada os convencia. Estiveram assim um bom tempo, tendo adormecido.
Camila acordou já de madrugada, com o braço
adormecido, abraçada a José. Levantou-se e acordou-o para se deitarem
confortavelmente na cama.
Aborrecidos, os dois foram para o quarto, sem trocar
uma palavra.
…
A chuva que batia na janela fazia adivinhar mais um
dia cinzento e frio. Era sábado, para quê levantar cedo, se se estava tão bem
debaixo do édredon de penas que ambos compraram.
- Bom dia alegria! – José acordou bem-disposto e
preparado para um dia de descanso, talvez entre a sala e o quarto.
Camila despertou, mas os olhos teimavam em não
abrir, tal era a vontade de dormir mais um pouco.
- Que horas são? – perguntou com voz roupa.
- Horas de preparar o pequeno-almoço, que o jantar
de ontem…
Ela lembrou-se do que comeram quando chegaram e
sorriu.
- Vou preparar alguma coisa – disse.
- Nada disso – ripostou ele. O pequeno-almoço fica
por minha conta.
Depois de lhe dar um beijo na testa e ter sussurrado
que a amava, desceu da cama e dirigiu-se à cozinha, onde pouco ou nada havia.
Mas não podia falhar. Começou a abrir os armários, viu uma caixa com cereais,
uns pacotes meio cheios de bolachas e pensou “o que faço agora”. Foi ao frigorífico, havia umas laranjas ainda
em bom estado e um pacote de leite por abrir, dentro da data.
Com o pouco que tinha fez um belo pequeno-almoço que
levou à sua amada.
Com a bandeja na mão, exclamou: - foi o que se
conseguiu arranjar.
Ela sorriu e sentou-se na cama. Os dois comeram, com
a chuva como companhia.
O tabuleiro ficou vazio num instante e foi colocada
ao lado da cama.
Recostaram-se na cabeceira da cama e começaram a
recordar os dias maravilhosos, numa cidade ainda mais bonita.
“Temos
de falar e não pode passar mais tempo” – pensou ela,
novamente.
- Temos….
- E se desfrutássemos agora da chuva que cai la fora
e nos deitássemos mais um bocadinho? -
voz e olhar matreiro.
“Será
que não vou conseguir falar com ele de uma vez por todas” – pensava
furiosa.
- Vá, relaxa, hoje o dia vai ser para isso.
Agarrou-a num abraço apertado e, mais uma vez,
perceberam que o amor era mais forte…
Adormeceram…
O som do telemóvel acordou os dois e, do outro lado,
a mãe de Camila perguntava como tinha sido a viagem, se chegou bem, como foi tudo,
enfim, um verdadeiro questionário que ela não queria responder, pelo menos
agora.
Lá foi dizendo que foi tudo maravilhoso, mas, numa
tentativa de conseguir desligar, disse que depois lhe contava todos os
pormenores.
- A tua mãe não quer saber tudo…quer saber de nós.
“Era
agora o momento” – pensou ela.
- Quer ela e quero eu – encheu-se de coragem e
falou.
- Que queres saber? – questionou ele com sorriso
matreiro, como só ele sabia fazer.
- O que somos e como estamos?
- Somos nós e estamos bem.
Ela começou a ficar sem paciência – ele sabia bem
como lhe provocar nervosismo.
- Ok… disse ela.
José percebeu que já a tinha conseguido irritar e
entrelaçou-se no corpo de Camila e disse:
- Não tenhas medo. Eu sou e serei sempre teu,
enquanto assim o desejares.
Os olhos dela encheram-se de brilho, mas, ao mesmo
tempo, de medo. Será que estavam finalmente a assumir um relacionamento?
- Achas que te vou deixar, achas que não quero estar
contigo, que não quero acordar contigo todos os dias? Só não o farei se não
quiseres.
Ela sorriu e abraçou-o com todas as suas forças.
- Estavas desde que o avião descolou com esse
desconforto, não foste capaz de abordar. Esse medo desnecessário. Como te
conheço minha pequena – ele sabia bem como a deixar sem jeito.
Corou, mas não se deu por satisfeita.
- E tu não tiveste as mesmas dúvidas, os mesmos
receios?
- Eu porque deveria ter? A nossa viagem não foi mais
que uma lua-de-mel antecipada e eu sabia que tu eras e és a mulher que quero
para mim. A não ser que tu não queiras…
Ela olhou-o nos olhos e apenas lhe deu um beijo
terno e doce nos lábios.
A celebração do amor deu-se ali naquele momento.
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